Sandra é uma trabalhadora que ficou afastada, em licença médica de seu trabalho. Quando está prestes a retornar é informada que será demitida. Tal decisão surgiu da escolha feita pela maioria de seus colegas que tiveram que enfrentar o seguinte dilema: receber um bônus de mil euros e demitir Sandra ou manter o emprego de Sandra e não receber o bônus. Das dezesseis pessoas, apenas três abriram mão do bônus em favor do emprego de Sandra.

Uma colega de trabalho e Sandra conseguem convencer o dono da empresa a fazer a votação novamente. Sandra terá um final de semana para reverter a decisão e obter pelo menos mais seis votos. Na segunda pela manhã seu destino será decidido. Esta é a trama do filme Dois dias e uma noite de Jean-Pierre e Luc Dardenne, coprodução franco-belga-italiana, cujo lançamento brasileiro ocorreu no começo de fevereiro. Após assisti-lo fiquei refletindo sobre a ideia de uma formação para o protagonismo e para o empreendedorismo. Por que ser protagonista de um empreendimento? Para que fazê-lo?

O filme retrata de forma realista os diversos conflitos que cada um dos colegas de Sandra teve que enfrentar para escolher um lado: o bônus ou a vaga de Sandra no emprego. Em essência, o que estava presente nessa decisão que o patrão deixou para a equipe decidir era o embate entre o egoísmo e a solidariedade. Meu bem-estar é mais importante? Ou posso me sacrificar um pouco pelo bem-estar de outros? Para muitos dos personagens, a decisão recaía em pesar qual problema era mais premente. Usar o bônus para pagar dívidas, pagar a faculdade do filho, terminar a reforma da casa, são alguns exemplos do destino que seria dado ao bônus por alguns dos colegas de Sandra. Ou, a perda do emprego de Sandra tinha consequências mais severas? Meu interesse ou o de outro? Não é uma escolha fácil! O final do filme é surpreendente.

No cinema, quando queremos identificar a personagem que é protagonista do filme, temos que localizar aquela que sofreu a maior transformação. Sem dúvida, Sandra é a protagonista nesse filme. Mas, e na vida? Quem são os protagonistas? A resposta é simples. Cada um de nós é o protagonista de sua própria vida!

O filme permite uma reflexão sobre o ensino para o protagonismo. Se nós somos protagonistas de nossas próprias vidas, isso significa que, ao longo dela, somos nós que sofremos a maior transformação. Em nossas ações, em nossos projetos de vida, quando queremos transformar o mundo, ou ao menos parte dele, não podemos esquecer que estamos nos transformando também. Sandra, no filme, parece ter sido motivada por uma questão pessoal, mas ao procurar cada um de seus colegas de trabalho, pode conhecer diversos ângulos da situação em que estava inserida. Ao final, se você assistir ao filme, concordará que ela foi quem passou pela maior transformação.

Da mesma maneira, o dilema retratado no filme ilustra uma questão relevante para quem ensina empreendedorismo hoje em dia. Anos atrás, ensinar empreendedorismo estava baseado no pressuposto de que o empreendimento que seria criado tinha que obedecer, tão somente, critérios de viabilidade técnica e econômico-financeira. Outras questões não eram relevantes. Isso sempre significava tentar garantir a maior lucratividade possível e o retorno do investimento feito no prazo menor possível. Assim, do ponto de vista antigo, o dono da empresa onde Sandra trabalhava estava certo: a viabilidade econômico-financeira da empresa podia ser mantida com as duas alternativas. Ele, com um espirito “participativo” deixou que a escolha fosse dos empregados.

Mas, hoje em dia, ensinar empreendedorismo não é mais tão simples. Pois hoje desejamos que os empreendimentos que possam surgir em nossa sociedade orientem-se pelos princípios do desenvolvimento sustentável, observando um equilíbrio entre aspectos econômicos, sociais e ambientais. Em outras palavras, empreender significa ser o protagonista de um projeto que não é mais individual, mas sim coletivo. Da prática empreendedora esperam-se resultados que sejam economicamente equitativos, socialmente justos e que preservem nosso planeta para as gerações futuras. Não se pode esperar a maior lucratividade possível quando há outros interesses a preservar que não só o do investidor.

Ora, para que possamos transformar a lógica do empreender, o ensino do protagonismo não pode deixar de lado uma reflexão sobre por que e para que empreender. Para mim, a resposta a estas duas questões se resumem a empreender porque todos podemos ser protagonistas e empreender para construir um mundo melhor. Você pode ser o protagonista de sua vida! Assim, além de empreender projetos que podem ajudar a melhorar nosso mundo, você estará se transformando continuamente. Não deixe de tentar, pois o esforço é sempre recompensador para todos.

Fernando Gimenez